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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Espaço Opinião



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A primeira opinião/critica vem do músico e escritor Léo Mackellene sobre o espetáculo Pouso, de Marcelle Louzada, apresentado recentemente em Sobral.







Resenha sobre o espetáculo “Pouso”, de Marcelle Louzada





A ARTE PRECISA SER REINVENTADA

Dia 22 de maio passado, o Teatro São João, um dos principais aparelhos culturais da cidade de Sobral-CE, apresentou o espetáculo “Pouso”, da artista Marcelle Louzada; no panfleto – a que se dera o nome de “fly” –, a classificação do espetáculo: “Corpo/Instalação”.
Tratava-se, na verdade, de um espetáculo de uma hora e meia, mais ou menos, em que a atriz-bailarina-artista Marcelle Louzada reunia fragmentos de si a partir de memórias anotadas em diários que começou a escrever quando chegou no Ceará, mais precisamente, em Fortaleza, há dois anos. “Cheguei sem palavras. Já estou no quarto diário”, diz num dado momento do espetáculo, que tinha tudo pra ser bom: um músico experimental do naipe de Vitor Colares fazendo a trilha sonora; um co-criador ousado e precioso como Jonnata Doll, como parceiro num dos vídeos-instalação que servem de cenário ao espetáculo; apoio logístico e financeiro dos órgãos municipais/estaduais de cultura e um belo jogo cênico e plástico que, se estivéssemos numa exposição de arte contemporânea, como no saudoso Salão de Abril, em Fortaleza, ou no Safra, em Sobral, teria feito todo o sentido. Estando num teatro, foi um fiasco.
É um espetáculo pretencioso em que se pode perceber a influência direta da “dança desabafo” e do teatro do improviso de Silvia Moura, contudo, sem o apuro e a força do trabalho que a artista cearense mantinha no CEM, grupo teatral de que foi diretora por 11 anos. Marcelle Louzada, por vezes, parece perdida, caminhando de um lado pro outro, tentando se apoderar do espaço do teatro, entre as cadeiras da plateia, pelo corredor de acesso, fazendo breves gestos de um balé em desconstrução, pelo andar de cima – aliás, único momento do espetáculo em que a plateia pôde se sentir viva: a tensão de quando achamos que ela fosse se jogar lá de cima. “Como é difícil falar de amor! Nunca pensei que falar de amor fosse tão difícil.”, diz a certa altura. Da maneira como pretendeu falar, ainda que falasse, quem entenderia?



Poderia se trazer o morto à baila: “a arte não precisa ser compreendida, a arte precisa ser só sentida”, concepção contra a qual evoco Otto Maria Carpeaux, quando ele diz que “O estruturalismo é o ópio dos literatos”, e, parafraseando-lhe, bem se pode dizer que “o estruturalismo é o ópio dos artistas”. Assim, a concepção esquizofrênica da arte pela arte, da arte hermética, do gênio incompreendido, nada mais é que o lugar que a sociedade utilitária contemporânea relegou à arte, como diz Terry Eagleton: “um ornamento pouco lucrativo”.
Parece que o que sobrou à arte é ser tudo, menos arte. Desde que a arte conceitual entrou na moda, basta ter uma boa justificativa que qualquer mictório se transforma numa peça de contemplação. É risível não fosse trágico.


O espetáculo “Pouso”, de Marcelle Louzada, extrapola a contemplação, sem superá-la, é o excesso do excesso e pelo excesso de descontextualização. É um espetáculo que eu não diria “inacabado”, ou “em construção”, eu diria “recém-começado”. A artista ainda está no início de uma jornada para torná-lo um bom espetáculo que, se não pretende comunicar – afinal, “a arte não precisa ser compreendida” –, pelo menos alcance as pessoas a fim de fazê-las sentir algo, nem que seja “incômodo”, mas um incômodo minimamente fundado. Também nesse sentido, “Pouso” é entediante, entediante e pretencioso. A última esperança era a de que o texto dos diários que a artista espalha pela plateia a fim de pedir, ao longo do espetáculo, que os leiam em voz alta – no escuro, diga-se de passagem – salvasse a proposta. Nem isso. Os textos são adolescentes, pueris, faltando-lhes qualquer observação mais aprofundada do cotidiano ou de si, que é a proposta do espetáculo. Pretencioso porque a sensação de obra recém-começada se dá a ver também pela fragmentação oca e pelo silêncio vazio, perdidos em momentos em que fica claro – embora às escuras – que a atriz-bailarina-artista não sabe bem o que fazer: se espalha búzios ao longo de um trajeto além do palco italiano ou se se veste de uma só vez com todas as suas roupas que traz dentro de uma mala. Quando diz que doou a maior parte delas, tendo ficado apenas com aquelas que têm alguma história, nasce uma outra pequena chama, como a chama de uma vela, tênue expectativa de que alguma boa história apareça ali, ainda que contada em forma de dança. Nada. Resume-se, a personagem-atriz-bailarina-artista, a contar a ocasião em que ganhara tal ou tal saia, tal ou tal camisa, tal ou tal vestido. Que o horizonte de expectativa fosse quebrado, tal como sugere Jauss, pela força da proposta ainda ia, mas não, quebra-se a expectativa pela sua fragilidade.


As imagens que se repetem incessantemente nos vídeos que compõem o cenário trazem alguma nudez agressivamente marcada pela simbologia do ventre sangrando da atriz. Qual a relação dela com o restante do espetáculo? Nascimento? Rompimento? Não sei. São belas as imagens, mas apenas belas. Noutra, um casal edêmico, iluminado apenas por uma lamparina de eremita e vestidos apenas com um véu plástico, dança na madrugada das ruas do centro de Fortaleza. Muito bom! Mas... a quê essas imagens se ligam nas amarrações da trama?! Elas são uma peça à parte.

É um espetáculo plástico, e só. Me fez pensar no quanto estamos mergulhados na imagem, submersos na sociedade do espetáculo: não adianta mais só contemplar as imagens, não adianta mais só substituir a realidade pela imagem da realidade, numa espécie de alegoria da caverna pós-moderna; é preciso participar da imagem, violá-la, estar dentro dela, fazer parte de um quadro, como num filme de Akira Kurosawa.
O ápice da fragilidade do espetáculo é quando a atriz diz que lhe doem as costas quando dorme de rede e, cinco minutos depois, reforça o coro sudestino que lhe atavia o juízo com perguntas do tipo “você é louca?!” – cita ela – referindo-se a ter trocado Belo Horizonte, em sua terra natal, ou quem sabe São Paulo, um possível destino, pelo Ceará, ao que ela, sem perceber que se contradiz, responde “Se eles soubessem como é bom dormir de rede!”. Ué! Já melhorou da dor nas costas?! Eis uma das armadilhas do teatro do improviso. Tanto pior se não for: uma contradição dessas em um texto planejado, estudado e dirigido é uma garfe irrecuperável; até mesmo porque aqui já estamos quase no final do espetáculo – graças a Deus! Não há tempo para explicar equívocos, e ainda que desse, a essa hora, metade das pessoas já saiu do teatro; a outra metade combina pelo whatsApp o jantar de logo mais.

De todo o “exercício de composição”, como diz o panfleto de divulgação, ficou uma coisa, pra mim, a mais importante: a arte precisa voltar a ser arte. Urgentemente.


Léo Mackellene é músico e escritor. Mestre em “Literatura e Práticas Sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). É editor do periódico científico Scientia, do jornal observatório de mídia O outro lado da coisa, e da revista de arte e cultura Brabo!

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